Cocó nas Cuecas: Um Assunto Sério!

Perturbações da Eliminação (enurese e encoprese) – EDUCARES

Após o desfralde das crianças e aquisição da capacidade de retenção das fezes que surge entre os 18 e os 36 meses, não é expetável que o “cocó nas cuecas” apareça novamente nem com frequência. Quer seja só um pequeno sujar das cuecas, como um descuido ou mesmo um cocó à séria, nunca é um sintoma de se ignorar ou achar que irá passar com o tempo.

O desfralde e a ida à sanita é outro dos grandes marcos de desenvolvimento de uma criança no seu percurso para a sua autonomia pessoal. Por isso deve ser levado com naturalidade, seguindo as pistas das crianças e respeitando os seus ritmos.

Quando uma criança começa a sofrer de encoprese (cocó na cueca) ou enurese (chichi nas cuecas ou na cama à noite) quando já não o fazia, pode ser um sinal de alarme que não deve ignorar.

Encoprese: O que é?

A encoprese é um distúrbio no controlo e retenção das fezes e adequada evacuação da mesma na sanita. Trata-se de uma defecação descontrolada, muitas vezes de origem emocional, que ocorre em locais e horas impróprias, ocorre uma ou mais vezes por semana num período de 12 semanas ou mais e a idade da criança é superior a 4 anos.

A encoprese é muito incómoda para a criança e para a sua família com consequências a nível escolar e social à medida que a idade avança.

Exame médico em primeiro lugar sempre!

É essencial que antes de considerar qualquer distúrbio emocional se faça um despiste físico com um exame médico. O médico pode optar por alguma terapêutica, caso o sintoma desapareça, provavelmente terá sido alguma desregulação física. Poderá ser inclusivamente necessário alguma mudança alimentar.

Quando o físico é despistado, temos de começar a procurar as razões psicológicas.

Encoprese como sintoma de mal-estar psicológico

A encoprese é um pedido de ajuda por parte de uma criança. Um sinal de que algo a incomoda. A criança quanto mais pequena, menor é a sua capacidade de expressão emocional, logo enviam-nos estes sinais indiretos.

O que poderá ser? Aqui reside o busílis da questão que deve ser analisado por um psicólogo. As razões são múltiplas e vão desde mudanças no seio familiar (nascimento de um irmão e menor atenção, divórcio dos pais e/ou conflitos, doenças na família, lutos, etc), escola, rede social, etc. O tipo de relação estabelecida com os adultos importantes da vida da criança também é relevante.

A história do pequeno J.

J. de 4 anos veio para terapia familiar com os seus pais devido a questões comportamentais, sendo um menino muito desafiante especialmente com sua mãe.  J. igualmente na escola era visto como um menino difícil, sendo que as queixas e telefonemas para a mãe eram frequentes. Mãe acabava por ser a figura adulta mais autoritária, sendo toda a família bastante permissiva com J.

Todos os dias quando a mãe ia buscar J. à escola, imediatamente assim que chegava perto da mãe, J. fazia cocó nas calças. Isto já era tão frequente e rotineiro que os pais nem mencionaram isso como um problema em sessão.

Noutra terapia paralela, a colega alerta-me para a encoprese de J. Na sessão seguinte com J. e pais passámos 1h30 a falar de cocó. Não sendo o tema mais agradável do mundo, falar de cocó abertamente tem 2 objetivos: 1) deixar que seja um tabu e seja reconhecido como uma preocupação e 2) explorar hábitos, rotinas e formas alternativas de lidar com a situação.

Como habitualmente acontece, J. deixou de ter o sintoma nas semanas seguintes. Porquê? Porque percebeu que tinha captado a atenção dos adultos que agora estavam sintonizados com o seu mal-estar.

Que mal-estar era este? J. tinha tido uma experiência negativa na escola anterior onde tinha estado, não sentindo confiança para fazer cocó na escola. Quando mudou de escola, adorou toda a gente mas mesmo assim necessitou de tempo para ganhar confiança para começar a pedir para ir à casa-de-banho. J. só fazia cocó na presença da mãe porque é a pessoa que mais confiança e “porto seguro” da sua vida.

Nota: Com este relato não estou a dizer que o problema era da escola anterior. Mas sim com a interpretação que o J. fez de vários eventos. Nomeadamente nessa escola partiu um braço e sofreu uma cirurgia. As crianças de tenra idade fazem associações de eventos, aglomerando-os, sem que eles necessariamente tenham relação. Por qualquer motivo, J. não se sentia acolhido na escola, tendo dificuldades em defecar na escola. Hoje é um menino muito mais tranquilo e feliz.

O que fazer?

  • Não use a estratégia da vergonha. Pode ter o efeito adverso. A criança poderá piorar por se sentir pressionada ou começar a esconder-se. Seja compreensivo, ajude a criança na sua higiene.
  • Assuma abertamente a dificuldade. Não esconda mas também não viva em ansiedade. As crianças são esponjas emocionais dos adultos, quanto mais confiança transmitir à criança de que ela irá ultrapassar a sua dificuldade, com maior facilidade isso acontecerá.
  • Crie uma rotina de idas à casa de banho. Nós seres humanos somos dependentes das nossas rotinas e educamos o nosso corpo em função de um horário. Serve para dormir, comer e defecar. Por isso se criar um hábito de antes e depois das refeições ir ao wc, a criança vai antecipar isso e segurar-se.
  • Perdoe as pequenas distrações. Se uma criança estiver a brincar, poderá acontecer distrair-se e fazer um pouco nas cuecas. Não se zangue e foque-se em cumprir as rotinas das idas ao wc.
  • Tenha atenção a alguns alimentos. Alguns alimentos dão a volta à barriga e a criança não tem tempo de pedir para ir ao wc. Investigue igualmente se não há sensibilidade a determinado alimento.
  • Procure saber se há mudanças relevantes na vida da criança ou acontecimentos que esta não esteja a compreender. Com a pandemia muitas crianças exibiram vários sinais de ansiedade, sendo a encoprese um deles.
  • Se achar útil, use um sistema de recompensas com autocolantes. Por exemplo ganhar um autocolante com uma estrela cada vez que se faz cocó na sanita. No final da semana fazer algo com a criança que ela goste. Não compre presentes, opte por experiências e passar tempo com a criança.

A Psicologia pode ajudar!

Um conselho importante: não deixe arrastar a situação à espera que passe. As crianças que têm encoprese sofrem bastante na escola com isso e são prejudicadas no seu desenvolvimento e autonomia. Por exemplo, por vergonha podem deixar de ir dormir a casa de um amiguinho ou ir numa visita de estudo com a turma.

Um psicólogo/a pode ajudar a criança a lidar com as emoções e a superar dificuldades sentidas, assim como dar preciosas orientações a pais e educadores. Lembre-se que pedir ajuda é um de grande inteligência e maturidade.

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