Violência Obstétrica: um trauma que fica

Ultimamente muito se tem falado em violência obstétrica. Especialmente porque com a pandemia e algumas restrições impostas, as mulheres e os bebés tiveram de passar por situações especialmente difíceis. Recordo-me nos primeiros tempos que para além do pai não poder assistir, o bebé ser separado da sua mãe por algum tempo.

Este post não serve para apontar os dedos aos profissionais. Andámos todos sem saber muito bem o que fazer, não havia informação cientifica suficiente que apoiasse decisões informadas.

O movimento #EuVivo surgiu no final de 2021 e várias mulheres começaram a partilhar os seus relatos de experiências de parto traumáticas. E eu acordei do meu torpor no qual me encontrava há cerca de 4 anos. Também eu fui vítima de violência obstétrica e não sabia!

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Mãe e bebé no pele a pele

A minha história

Estive internada cerca de um mês no hospital pois tinha um bebé de percentil de peso baixo sem explicação aparente. Depois do parto a minha filha testou positivo para o CMV. O parto foi provocado. Estive todo o dia a percorrer um corredor com outras grávidas e elas foram ao longo do dia indo embora. Já estava a ser monitorizada quando comecei a achar que as contrações estavam muito pouco espaçadas. Chamei a enfermeira que me respondeu com maus modos que o monitor não estava a detetar nada (eu com contrações com espaçamento de cerca de 2 min). Eu já estava a mentalizar-me que com aquela simpatia toda teria de fazer o parto ali sozinha como os gatos… Lá a convenci a deixar-me ir ao WC. Felizmente um médico mais velho viu-me passar no corredor e quis observar-me. A enfermeira continuava a dizer que não havia nada. O médico responde: “como não há? Acabei de sentir uma na minha mão!”

Levaram-me para a sala de partos. Deixaram-me na sala sentada numa cadeira à entrada e nem a luz me ligaram. Senti a bolsa das águas rebentar e tentei chegar a uma campainha. Estava com dores. Alguém abre a porta com maus modos e questiona: “o que é quer?” Quase sem respirar, digo que as águas rebentaram. Começou o festival de gente a entrar.

Depois uma enfermeira questiona: “Quer epidural?” E eu respondo “Acho que sim.” Ao que imediatamente replica “Mas acha ou tem a certeza?” (tudo isto com o modo menos simpático do mundo). Eu lá digo que tenho a certeza porque se isto ainda iria doer mais que isto, mais valia a epidural. Quando o médico chega, a enfermeira ainda diz que “esta mãe está muito queixosa”. Queixosa? Malta eu estava a grunhir entre dentes, a cerrar os olhos e no meio disto tudo manter a calma. Em momento nenhum estive histérica aos gritos. Mas agora questiono: “E se estivesse? Qual era o problema?”

Adiante. Levei epidural. Fiquei porreira. Claro. Chega ao médico e ralha comigo porque eu tenho os intestinos cheios. Eu reclamo com ele a dizer que se nessa manhã não me tivessem apressado como eu pedi, eu teria tido tempo de ir ao WC. Calou-se. Pede-me para fazer força duas vezes. Claro com a epidural já nem sabia fazer força. Fica impaciente aplica-me a manobra de Kristeller sem aviso prévio. Doeu horrores!

Levei 3 pontos. Não sei se me fizeram episiotomia. Se fizeram, eu não consenti. Foi um parto super rápido. Eu não percebi se tendo eu ficado um mês internada num hospital para que serviu tanta pressa. Parecia que o homem estava em final de turno e se queria ir embora.

O pior são as sequelas. As minhas eu sobrevivo. Apesar de prejudicar a minha vida normal. Mas a minha filha sofreu uma lesão na coluna. Não dormia. Não mamou até aos 4 meses (eu tirava leite com a bomba porque sou teimosa que nem uma mula!). Há médicos que colocam a hipótese de os problemas de visão serem derivados à manobra de Kristeller. Milhares de euros em terapias de todo o tipo. Mais as limitações de vida da minha filha no dia-a-dia.

Eu cá tenho uma perturbação de sono. Daí as insónias e os posts de madrugada. Desconfio que tive uma depressão pós-parto ligeira. Como sou psicóloga, claro que só vi isso à distância. Afinal “casa de ferreiro, espeto de pau.”

Acordei do meu torpor com o movimento #EuVivo mas também com o desejo de ser mãe novamente. Daí o medo voltou. As memórias.

No próximo parto será diferente. Já sei ao que vou.

Um Apelo

Mães parem de sofrer em silêncio. Contem a vossa história. Superem os vossos traumas. Quantas de vós não terão desenvolvido Depressão Pós-Parto à conta disto? E são vocês, os vossos maridos e os vossos filhos os maiores prejudicados.

A violência obstétrica aconteceu-vos, mas não vos define enquanto mulheres, mães e pessoas. É possível superar o trauma e sair mais forte disto. Procurem ajuda.

Uma palavra aos Profissionais

Eu quero acreditar que estão a seguir protocolos e que não têm noção do que fazem e dos efeitos a longo prazo das vossas ações. Que são pessoas bem-intencionadas a cumprir uma linda missão de vida. Mas todos vós são pessoas muito inteligentes, com estudos superiores e acima de tudo, pensamento crítico. Revejam as vossas práticas ultrapassadas, frequentem congressos, façam cursos, visitem maternidades no estrangeiro, atualizem-se!

As mães e os bebés de Portugal agradecem o vosso empenho.

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